quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Abutres

Sobre o que se trata um filme cujo nome, no Brasil, chama-se “Abutres”, e “Carancho” no original? No início da fi­ta, o diretor argentino Pablo Trapero (de “Leonera” e “Fa­mí­lia Rodante”) fornece algumas informações estatísticas que de­mons­­tram o assunto que será tratado: na Argentina, morrem todo ano mais de 8 mil pessoas em acidentes de trânsito, uma média de 22 por dia; e mais de 120 mil ficam feridas. Na última década, 100 mil foram mortos.

A partir de então, ele come­ça a despejar aos olhos do espectador alguns acidentes que ocorrem em Buenos Aires (a maioria pro­vocado entre carros e pedestres) e o socorro que é prestado por uma equipe de paramédicos, entre eles Luján (Martina Gusman, esposa do diretor).
No entanto, o foco de Trape­ro é os bastidores desses aciden­tes, embora isso não fique tão claro no início, mas vai ficando cada vez mais nítido a cada minuto que passa, principalmente do meio para o final do filme.

Isso porque esses acidentes geram milhões de pesos argentinos em indenizações e que, vista a situação econômica na Argen­tina atualmente, tem como consequência uma grande máfia composta por advogados, médicos, donos de hospitais... Enfim, a lista é grande e assustadora, principalmente porque Trapero não tem pudor ao revelar essas informações. Ele utiliza da violência e de sangue, muito san­gue, para fazer com que cada um se insira na história. E isso é fácil, pois a narrativa é realmente envolvente e interessante.

Carancho, ou abutres, são, portanto, os tais advogados que tentam dar golpe atrás de golpe e conseguir di­nheiro do Estado. E o principal fio condutor de toda essa mani­pulação é representado por Sosa (Ricardo Darín, de “O Segredo dos Seus Olhos”, em ótima forma), advogado especia­lista em acidentes de trânsito, que  perdeu a sua licença. Mesmo assim, utiliza de seus conhecimentos para buscar possíveis clientes.

Para tanto, ele participa de uma tal Fundação que corrompe guardas de hospitais e funcionários de emergências – uma sujeira sem tamanho ou precedentes. Mas quando conhece Luján, Sosa pensa em abandonar o tal negócio e tenta recuperar a sua licença como advogado.

A proposta de Trapero é tão envolvente, que o espectador se entrega a cada cena e torce para que a situação, enfim, pare, até porque há momentos sufocan­tes, como um verdadeiro soco no estômago de quem está acompanhando a trajetória dos envolvidos. O espectador também vai conhe­cer até que ponto vai a indecência e a criatividade de cada um para ganhar di­nheiro de forma ilícita. E Luján, que passa horas sem dormir por conta do plantão no hospital, se envolve mais do que deveria (e gostaria) nos trabalhos do namorado.

Trapero é um desses diretores da nova geração que, assim como o brasileiro José Padi­lha, de “Tropa de Elite”, aproveita sua arte para fazer sua política e suas denúncias sobre uma situação que acontece na Argentina, mas talvez não apenas lá. Uma ma­nei­ra de entreter o espectador, embo­ra o público para esse filme seja res­trito, mas também de fazer proveito de sua obra para contar algo que realmente interessa. Há notícias de que os ecos de seu filme rendeu resultado naquele país, uma vez que alguma lei mudou o sistema de seguro.

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