Meirelles não se lembra qual foi o primeiro filme a que assistiu, mas lembra-se que seu pai filmava com câmera 8mm e costumava projetar essas imagens na parede. Mas foi aos 13 anos que começou a fazer filmes
Ao lado de Paulo Morelli, Marcelo Machado, Dario Vizeu e Beto Salatini fundou a produtora Olhar Eletrônico, onde produziu vídeos para a tevê. A partir desses trabalhos, foram trabalhar na tevê a convite de Gourlat de Andrade. Em outro programa, o “Antenas” e criaram o repórter Ernesto Varela, interpretado por Marcelo Tas.
Tas, aliás, disse à METROPOLIS, em maio, que “o Fernando é um cara muito talentoso, que redescobriu o cinema brasileiro, tirou o véu, revelou uma nova etapa e que ainda tem muito pra mostrar”. E completou: “Conheço muito bem o Fernando, a gente se relaciona pessoalmente até hoje, nossos filhos se conhecem, a gente se encontra muito, e o Fernando é um cara que tem uma carreira muito grande pela frente. Ele está só no começo, por incrível que pareça. Ele ainda vai nos dar muito susto. Eu tenho certeza disso”.
Segundo depoimento de Fernando à jornalista Maria do Rosário Caetano, para a sua “Biografia Prematura”, da Coleção Aplauso, “a Olhar Eletrônico foi dando certo não porque fazíamos tevê bem feita, mas porque fazíamos diferente”. Ele conta que “o trabalho não era bem acabado, mas era original”.
Antes de “Rá-Tim-Bum”, na TV Cultura, a produtora fez quadros para a Bandeirantes, Globo, Gazeta e para a extinta Manchete. Mas foi no final dos anos 1980 que a produtora começou a fazer comerciais, o que lhe rendeu dinheiro e experiência, já que a propaganda é feita em grande volume.
Em 1990, Fernando Meirelles e Paulo Morelli criaram a O2 Filmes e foi na rotina frenética da publicidade que eles aprenderam como funciona o esquema de filmagem, conheceu fotógrafos e atores. Ao lado de Nando Olival, ele dirigiu os curtas-metragens “Bom Coração”, em 1996, e “E no Meio Passa um Trem”, em 1998.
Como forma de um ensaio para “Cidade de Deus”, dirigiu com Kátia Lund o curta “Palace II”. Em 2001, com Nando Olival, dirigiu “Domésticas - O Filme”, baseado em peça teatral homônima.
Sua primeira produção internacional foi “O Jardineiro Fiel”, que se passa em Londres e em cidades do Quênia. Em 2007, o cineasta seguiu para outra empreitada internacional, quando foi dirigir “Blindness”, filme baseado em romance de José Saramago, “Ensaio Sobre a Cegueira”. O longa-metragem começou a ser rodado em julho de 2007 no Canadá. De acordo com o blog do filme, Meirelles já havia lido o livro e tentou comprar os direitos do filme antes, mas não houve interesse por parte do autor. Agora, porém, deu certo, e o filme será lançado no Brasil dia 12 de setembro depois de participar tanto da abertura quanto da competição do Festival de Cannes 2008. No elenco, trabalham Julianne Moore, Gael Garcia Bernal, Mark Ruffalo, Danny Glover e a brasileira Alice Braga.
Confira agora a entrevista exclusiva que o autor concedeu a METROPOLIS.
Depois de três filmes nacionais e dois internacionais, qual é o próximo passo?
Comecei a rodar uma minissérie para a Globo que vai ao ar
É coincidência você ter filmado quatro longas baseados em livros ou você procura histórias que já existem para contar na tela
Não é tanta coincidência assim, pois eu leio bastante e aí as histórias que leio me interessam. Mas nada impede que eu faça uma história original numa hora destas.
Por “Cidade de Deus” ter recebido quatro indicações ao Oscar, assim como “O Jardineiro Fiel” (que venceu em uma categoria), existe mais cobrança para o prêmio?
Eu não me sinto pressionado não. E nem sou muito ligado em prêmios para falar a verdade. Nem fui na entrega do Oscar quando a Rachel [Weisz] ganhou pelo “Jardineiro”. Preferi ficar em casa quieto e liguei assim que ela saiu do palco. O “Ensaio Sobre a Cegueira”, por ser mais pessoal, acho quase impossível haver alguma indicação, mas ele não me agrada menos por isso.
Muitos acreditam que depois de “Cidade de Deus” o cinema brasileiro teve uma nova identidade. O que você acha sobre isso?
Mesmo antes, o público brasileiro já havia começado a voltar a assistir a filmes nacionais. “Cidade de Deus” foi um degrau a mais, mas foi logo superado em público por “Carandiru”, depois “2 Filhos de Francisco” e assim vamos. Ainda bem.
Ter de bancar “Cidade de Deus” até o seu lançamento fez você ter mais carinho por ele?
Não, mas fez eu me sentir mais burro por ter corrido tamanho risco, mas no fim, ainda bem, deu certo.
“Ensaio Sobre a Cegueira” teve uma grande apresentação em Cannes, mas não levou a Palma de Ouro. Qual é a sua expectativa para o lançamento no Brasil?
Não achava que fosse um filme para Palma de Ouro. “Ensaio Sobre a Cegueira” divide opiniões. Nem todo mundo consegue vê-lo, eu poderia dizer. Honestamente, não sei qual será a reação ao filme no Brasil. Estou um pouco ansioso por isso, confesso.
Na ocasião, José Saramago chorou ao final da exibição e você lhe deu um beijo na testa. Ficou por isso mesmo ou vocês conversaram mais sobre o resultado da obra?
Depois da sessão fomos jantar e no dia seguinte passei a manhã com ele. Falamos de detalhes do filme, do livro e, depois, como um fã, fiquei fazendo perguntas sobre sua vida numa exposição sobre seu trabalho que fomos ver juntos em Lisboa.
No longa, você filmou muitas imagens no Brasil mas não contou que se tratava de São Paulo, maquiou as placas das ruas e dos carros. Você acha que isso pode ser criticado pelos paulistanos, por exemplo, que facilmente reconhecem a Paulista?
Acho que não. A idéia é que a cidade onde se passa a história fosse genérica, em lugar nenhum. Acho que os paulistanos vão entender isso.
Você escreveu um blog enquanto filmava “O Jardineiro Fiel” e depois enquanto filmava “Blindness”. Você pretende retomar o blog ou fazer outros?
Gostei muito da experiência de ficar escrevendo enquanto filmava e se tiver tempo repito a dose, sim. Esse blog parei no meio e acho que não vou retomar. Agora já passou o bonde. Esta é a vantagem de não se ter compromisso com ninguém numa empreitada destas.
O que o motivou a escrever o blog? Me parece que a audiência foi positiva e grande, é isso?
Escrever me ajuda a pensar no que estou fazendo. Lia bastante os comentários de quem acompanhou e sentia também as expectativas. Era como dialogar com o público durante o processo.
Você começou na tevê e depois fez publicidade no cinema. Então, começou a fazer curtas e longas. Em que sentido ter iniciado com publicidade te ajudou a produzir os longas?
Na verdade, comecei mesmo fazendo vídeo experimentais, depois tevê independente e depois comerciais. Acho que fazer comerciais me deu a experiência com a linguagem do cinema. Quilômetros (de negativo) rodado. Aprendi a contar histórias com imagens nestes filminhos de 30 segundos. Uma boa escola. Acho.
Quais as diferenças e as semelhanças entre fazer filmes nacionais e internacionais?
Dirigir atores que falam português é melhor, pois entendo a língua e cada tom das falas mais a fundo, por outro lado nas produções internacionais há mais verba e, portanto, mais liberdade para se ter idéias caras. Fora isso os processos são bem parecidos.
Qual é o momento de um filme que mais te deixa inspirado? O que você mais gosta de fazer? A decupagem é a parte mais chata? (No blog, dia 29/10/2007, você escreveu: “Também me livra do chato, e às vezes inútil, trabalho de decupar o filme”.)
Poxa vida! Acho que me expressei mal. Adoro montagem. É a hora em que o filme acontece. O trabalho com os atores também é bem gostoso, descobrir os personagens, inventar pequenos gestos, cacos no texto, mudanças de clima. Roteiro é interessante também. Quer saber: Gosto deste trabalho de cabo a rabo. Menos lançamento. Essa é a fase mais difícil pois sua cabeça já está em outro lugar e você tem que ficar falando do passado.
Pretendo filmar aqui sim. Claro. O que está melhorando em nosso cinema são os roteiros. Esse era um buraco na produção brasileira. Está entrando no mercado uma nova safra de roteiristas e isso deve mudar a cara dos nossos filmes. Os roteiristas jovens não têm preconceito de fazer filmes para o público, que é uma espécie de ranço que nossos diretores carregaram por causa dos colegas do Cinema Novo. Ali ou se fazia arte ou se se vendia para o sistema. Hoje sabemos que a vida não é bem assim, é mais complexa que isso.
Seu filho já está trabalhando como cineasta. O que você acha de ele seguir os seus passos?
Na verdade, o Quico está apenas estudando cinema e quando pode me acompanha no set. Maior prazer para um pai. Eu não dou conselhos não, deixo ele descobrir o seu caminho. Mas conversamos muito sobre o trabalho no qual estamos envolvidos. No set ele costuma dar muito palpite no que estou fazendo e são sempre idéias muito boas. (desculpe a corujice). Mas são. Fora isso minha filha Carolina está começando a trabalhar como fotógrafa e anda fazendo still de cinema também. Não é nada fraca.
Não ter estudado cinema fez você aprender tudo fazendo. Quais as vantagens e as desvantagens desse processo?
No meu caso só vi vantagens. É fato que minha formação teórica é meio limitada, mas não ter sido ensinado como se faz, me deu o espaço interno para inventar a minha maneira de fazer. Isso foi muito bom.
Entrevistei o Marcelo Tas e ele me disse que vocês mantêm amizade, seus filhos se conhecem e ele continua acompanhando a sua carreira. E você com relação a ele, você assiste ao “CQC”, por exemplo?
Assisto ao “CQC” quando estou em casa no horário que vai ao ar. Gosto do programa e gosto muito do Marcelo. Vai ser um amigo para a vida toda. Às vezes ficamos meses sem nos ver mas quando nos encontramos é sempre o mesmo prazer. Acho que no mundo emocional o tempo não passa.
----Entrevista originalmente publicada na edição 38 de Metropolis (agosto de 2008)
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